Empatia é uma palavra meio gasta. Inclusive, desde a pandemia do COVID-19 as discussões sobre as diferenças e semelhanças entre empatia e compaixão ocasionalmente ressurgem. Resumido de forma muito simplista, é algo sobre sentir o que o outro sente versus sentir e agir para cessar um sofrimento.
Fazer essa diferenciação não está muito no meu campo de conhecimento. Então, prefiro me apegar a uma outra expressão: ter a pele fina. Quando se tem a pele fina, a gente sente tudo com um pouco mais de intensidade. Por vezes, age-se. Por vezes, não. Mas a pele continua ali, sensível, permanente.
O último evento que me fez reparar no quanto a minha pele tem estado fina foi a tragédia ocorrida (ocorrendo!) no Rio Grande do Sul. Mas preciso abrir um parêntese antes de chegar até ela.
Morei durante 10 meses nos Estados Unidos. Durante esse tempo, passei uma semana em New Orleans. Andei pela cidade e fiz um tour de ônibus.
O guia do tour falou muito sobre como o furacão Katrina afetou a cidade no ano de 2005. “Nada foi igual a como era antes depois do Katrina”, disse ele, “nada ficou no mesmo lugar”. Passávamos pela cidade e ele apontava até que altura a água havia chegado. Disse que mesmo depois de mais de uma década do desastre, a cidade ainda não tinha se recuperado totalmente. E as áreas mais pobres e afastadas foram as mais afetadas: o socorro não focou nesses lugares. Fiquei com um nó na garganta. Isso me impactou muito.
Quando comecei a me inteirar sobre as inundações do RS, foi no Katrina que eu pensei. Quase como se eu estivesse em uma espécie de dobra temporal, liguei os dois eventos: a New Orleans da minha viagem é o Rio Grande do Sul daqui a 10 anos, o Rio Grande do Sul neste momento é o que New Orleans passou há 10 anos. Ao mesmo tempo que foi levemente confortante pensar que haveria futuro, a dor não foi embora. Ainda que haja futuro, as pessoas afetadas diretamente perderam tudo. Sabe? Você consegue mensurar o tamanho disso?
Você tinha uma casa, uma vizinhança. Livros, talvez. Um tênis preferido. Um violão. Uma roupa comprada e nunca usada, esperando uma ocasião especial. Uma blusa de lã que sua avó tricotou. Você tinha as coisas que você comprou para o cachorro, casinha, roupinhas. Você tinha um cachorro.
Toda vez que eu penso nisso, que eu me coloco nesse lugar, me sinto a ponto de chorar. Como não ter a pele fina diante disso?
Acredito bastante que a leitura ajuda muito a deixar minha pele fina. A ficção coloca a gente em situações muito diferentes das nossas, convida a sentir as coisas junto com os personagens. Quando você nota, já está fazendo, se colocando no lugar dos outros naturalmente, imaginando os efeitos daquela situação. É um movimento muito rico, esse de sentir. Eu me permito. Sinto com os personagens, sinto com as pessoas. Já somei algumas vezes em que terminei a primeira versão de um conto emocionada com a situação de algum(a) personagem. Dói. Mas me deixa viva.
E me convida à ação. Um exemplo é que eu nunca tive tanta facilidade para doar coisas minhas como quando eu estava separando itens para mandar para as vítimas das inundações.
Para mim, tão importante quanto estar disposto a ajudar em uma situação de crise e tragédia como essa é estar disposto a sentir. Até porque, para mim, uma coisa retroalimenta a outra. Sentir faz a gente se perguntar do que estaríamos precisando numa mesma situação, então tem um potencial gigantesco de colocar a gente em ação - mesmo que seja dentro das possibilidades ao nosso alcance naquele momento.
Que ajamos, então.
PEQUENOS PRAZERES PARA COMPARTILHAR
O livro Como comprar um poeta, do Afonso Cruz, é com certeza um dos meus pequenos prazeres preferidos.
Essa casinha de aluguel para pássaros.
Esse vídeo com grandes mulheres da música brasileira.
Essa coreografia, extremamente satisfatória.
A beleza dessa capa de livro artesanal.
Esse vídeo com os doguinhos resgatados no RS fazendo a thread das mãozinhas (que eu chamo de “um por todos e todos por um”)