O primeiro e-mail é um ofertório
Um jeito esquisito de dizer 'olá' e de colocar um pé depois do outro
O meu plano inicial era começar a enviar esta newsletter logo depois de ter falado sobre ela no Instagram, há quase duas semanas. Fui, porém, atravessada por um evento da maior importância: a morte da Gal. Não sei como você sentiu aí do seu lado, mas daqui foi como se fosse alguém da minha família. Passei dois dias sem querer encontrar ninguém, sem paciência para muita conversa. Eu pensava: ‘a Gal morreu, sabe? Que importância tem isso que você está dizendo?’
Pouco tempo antes, eu havia visto um show dela pela primeira vez, aqui mesmo em Maringá. Foi uma experiência avassaladora, uma das mais importantes da minha vida. Alguns meses depois, assisti ainda a outro show dela - o último, no Festival Coala, em São Paulo. Eu não imaginava que aquilo fosse uma despedida. Mas, se prestarmos bem atenção, sempre é. Durante meu ‘luto’, fiquei lembrando muito de um trecho de ‘Pais e Filhos’, do Legião Urbana (eis algumas das minhas referências). Renato canta: ‘É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar para pensar, na verdade não há’.
Eu sei que o tom parece melancólico, mas não é para ser. A sensação de finitude é sempre um choque, e perder um artista que a gente admira é um pouco como perder uma parte de nós. A morte de Gal, porém, também deu uma importância ainda maior para as apresentações que eu pude assistir. É curioso como algumas vivências ganham muito mais importância retroativamente, não é?
Um pouco antes do primeiro show que eu mencionei, o de Maringá, eu havia escrito uma coluna falando sobre minha relação com o trabalho da Gal, toda embalada na expectativa para o show. Fiz uma colagem para ilustrar o texto, que segue:
Não acho que a referência tenha sido clara, mas a escolha pela papoula para a composição tinha a ver com o fato de o ópio ser extraído dessa flor e, de modo mais aprofundado, da relação que existe entre o ópio e o sonho. Há também o curioso fato de que a papoula é uma flor sem cheiro: Kenzo Takada, perfumista e fundador da Kenzo, criou o perfume Flower partindo justamente desse aspecto - e de um exercício criativo: qual seria o perfume da papoula, se ela tivesse perfume? Acho que Gal era um pouco do que seria o perfume da papoula, essa força intensa, amorosa, rebelde e bela, como só ela sabia ser.
O título do meu texto era ‘Ninguém diz eu te amo como Gal’, dialogando com o refrão de uma das minhas músicas preferidas do repertório dela: Palavras no Corpo.
Ainda não consigo ouvir essa música sem chorar um bocadinho. Até porque a minha leitura de ‘ninguém diz eu te amo como eu’ é mais a de uma melancólica do que a de uma romântica. Ou seja, para mim, a questão não é a de um eu que é capaz de amar alguém mais do que qualquer outra pessoa, mas sim a de que, sendo cada pessoa única, cada experiência de amar também é única e irrepetível. Um amor que acaba é sempre um lugar para onde não se pode mais voltar - o que às vezes é algo excelente, diga-se de passagem, mas não exclui esse lado meio saudosista que envolve tudo aquilo para o que não há um retorno.
Para não ficarmos apenas nessa, vou indicar ainda mais três músicas interpretadas por ela para este sábado. São elas: ‘Mãe de Todas as Vozes’, ‘Vaca Profana’ e ‘Dê um Rolê’:
Para além disso, sejam bem-vindas e bem-vindos ao meu ‘infinito particular’, como diria outra grande intérprete da música brasileira, Marisa Monte. Ainda não tenho bem certeza da regularidade das newsletters, mas o que está certo para mim é que ela vai transitar por alguns formatos diferentes.
Por vezes, vou mandar textos ficcionais e poéticos, meus e de outras pessoas, que eu tenha gostado e tenham me alcançado de alguma forma. Em outras situações, vou mandar indicações: de livros, músicas, filmes, links e afins. E em outras situações ainda, a ideia vai ser brincar com reflexões como a deste texto, meio diário, meio crônica. A extensão também deve variar, com textos mais curtinhos intercalados a outros com o tamanho deste aqui.
Se quiser responder, deixar comentário na postagem que fica no Substack, abrir um diálogo, fique à vontade. A ideia é construir uma possibilidade de diálogo mais analógico, anacrônico. Uma cosia que fuja da tendência imediatista das redes sociais e convide à pausa. Eu tenho precisado muito de uma pausa, sabe? Pausemos, então.
Grande beijo,
Thays Pretti