Algumas pessoas mais próximas já sabem: estou trabalhando há algum tempo no projeto de um novo livro. Inicialmente, a ideia era montar um novo livro de contos - que ainda guardo na gaveta para prosseguir. Porém, o que aconteceu é que um dos contos começou a criar corpo e independência. A partir disso, desmembrei-o: ele passou a ser um projeto à parte.
Atualmente, o texto está com cerca de 120 páginas. Mas isso é menos da metade do caminho. Ainda não contei muitas coisas as quais preciso contar para fechar a história. Meu palpite é que passará de 200, para eu depois refinar e fechar em torno de 150 a 170. Não quero um livro difícil de carregar com uma mão só.
O processo é bem diferente do que foi o de escrever ‘A mulher que ri’, e por isso quero falar um pouquinho sobre isso. Hoje, vou trazer três pequenos temas, que posso vir a aprofundar nos próximos diários. São eles: referências, estilo e relevância.
1. Referências
Em primeiro lugar, uma coisa que tenho notado é o quanto o destino vai trazendo para a minha mão exatamente o que eu preciso ler. Minha lista de leituras é um pouco aleatória e não intencional, mas a maioria dos livros que li neste ano dialoga, de algum modo, com o que eu estou escrevendo. E não é que eu tenha escolhido o livro pensando nisso: a coisa simplesmente aconteceu.
É claro que, sendo mais racional, eu posso dizer que estar escrevendo um livro com características x e y me deixa mais predisposta a esse tema e, consequentemente, isso me chame a atenção quase que inconscientemente. Mas, de todo modo, acho curioso como isso acontece de um jeito tão espontâneo.
2. Estilo
Não tenho avançado tanto na escrita quanto gostaria porque eu tenho o (talvez péssimo) hábito de reler o texto antes de prosseguir. Assim, meu processo se assemelha muito a desenrolar uma massa com o rolo, sabe? Você primeiro tem uma bolota redonda de massa, que são as ideias todas da história. Então, você vai passando o rolo, desenrolando a massa, esticando-a. E volta, e repete, e prossegue.
Isso me faz estar muito satisfeita com o início do texto e apenas medianamente satisfeita com o meio. Começo a refinar esse meio e acabo deixando a continuidade da história para depois, para outro dia, outro momento de escrita. Isso, porém, sempre adia aquele momento em que eu vou conseguir ter uma visão geral do livro completo. Chega a ser angustiante.
Para o mês de abril, quero focar em delinear melhor a estrutura do todo, antes de voltar e ficar recheando as partes. Minha impressão é a de que, assim, vou conseguir ter mais clareza do caminho. Nunca escrevi um romance e cada livro é um livro. Essa, então, vai ser a minha estratégia para este livro. Para o próximo, não sei. Vamos deixar as coisas acontecerem a seu próprio tempo.
3. Relevância
Para este livro, optei por trazer alguns traços autobiográficos e ficcionalizá-los, misturar um pouco de experiência vivida e invenção. Isso também é bem diferente do processo criativo de ‘A mulher que ri’. Lá, eu busquei me afastar ao máximo da minha própria biografia, por n motivos. Além disso, achei que seria um livro mais diverso se eu me aproximasse dele de modo analítico: que recorte de mulher poderia somar? que recorte está faltando? É um livro curto, sim, então não foi uma lista exaustiva de perfis possíveis de mulher, mas a minha busca foi por um recorte que fosse suficientemente diverso.
No livro que eu estou escrevendo, eu trago algumas coisas minhas, vivências pessoais. Isso me coloca diante de uma questão interna com a qual tenho trabalhado: qual a relevância desta história? Sendo uma pessoa com muitas dificuldades com autoestima e com a compreensão da minha própria importância num cenário mais geral (é frequente que eu me entenda como insignificante e desinteressante), volta e meia travo durante a escrita me perguntando: qual a relevância disso? Seguir, mesmo com essa corrente me agarrando os pés, é um desafio gigantesco que tenho trabalhado internamente para me convencer que, sim, os recortes autobiográficos que estou levando para dentro do livro não diminuem a relevância dele. Continua havendo a possibilidade de identificação e conexão com quem lê. Eu sou mil, eu sou dez mil, eu sou cem mil. Somos.
Outra questão que tenho trabalhado comigo mesma é decorrente da primeira e é: eu estou preparada para escrever este livro? Essa eu tenho trabalhado porque, ainda que eu ficcionalizasse completamente o livro, tenho trabalhado ele em primeira pessoa, e uma boa quantidade de leitores tende a aproximar narradores de primeira pessoa do autor.
Eu estou preparada para contar essa história?
Além disso, trago no texto alguns temas com os quais eu não acho que as pessoas costumem me relacionar, e tenho pensado muito sobre o quanto eu vou ficar confortável com isso. Temo que, por mais que o livro traga apenas traços autobiográficos, ele seja entendido como uma totalidade do que eu sou. E eu não sou minha personagem. Ela só passou por algumas experiências pelas quais eu também passei, tendo, algumas vezes atitudes iguais às minhas e, em outros casos, atitudes diferentes. Algumas são atitudes que eu gostaria de ter tomado. Outras são atitudes que somente a personalidade dela permitem que ela tome. Eu, com a minha personalidade, não seria nem capaz de fazer o mesmo.
O que também tenho feito para tentar equilibrar as coisas é buscar uma estética que de algum modo compense o peso de alguns temas que surgirão no decorrer da história, para que, ainda que seja um livro com temas difíceis, ele permaneça palatável.
Escrever um romance, me parece, reúne uma porção de dúvidas e decisões. Uma certeza que eu tenho, porém, é que eu serei outra pessoa quando sair do outro lado do processo de escrita.
Quem será que vou ser?